Editorial: Sair na rua sem tapa-olhos

Por Luis Miguel Modino*

Enxergar só aquilo que desperta interesse na gente, ou aquilo que os outros nos deixam enxergar, sempre é um risco. Existe um gadget, geralmente usado nos cavalos, mas que parece que também é usado por algumas pessoas, que impede os animais enxergar o que está fora do campo de visão que interessa ao dono, é o tapa-olhos.

Isso sempre existiu e sempre foi usado, em todas as culturas, lugares e momentos históricos, mas parece que ultimamente o uso aumentou, ou a gente tem mais facilidade para percebe-lo. Bem é verdade que no Evangelho de Lucas conta uma cena similar, onde aparece alguém que estava jogado na beira do caminho, muito machucado, mas ignorado pela maioria dos que lá passaram.

A Esplanada dos Ministérios de Brasília foi nesta terça-feira, 7 de setembro, Dia da Pátria, local de grandes concentrações. Era gente que queria cumprir com sua obrigação de defender seus ideais políticos e sociais, quem sabe também religiosos, parece que cegos ou sem querer enxergar a situação de um país onde o número daqueles que estão jogados na beira do caminho aumenta a cada dia.

Uma foto onde aparece um homem jogado na calçada, provavelmente um morador de rua, com certeza mais uma vítima da falta de emprego, de comida e de tantas outras coisas que cada vez mais atinge a milhões de brasileiros e brasileiras, se fez viral nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens. Pelo que aparece na foto, ninguém quis enxerga-lo, também não aqueles que como o sacerdote ou o escriba do texto de Lucas são considerados modelos de cidadãos por aquela parte da sociedade sustentada nos “bons princípios”.

Alguns comentários, a internet deu a possibilidade de todo mundo opinar, protegidos pela distância e o anonimato, nos mostram os princípios que fundamentam o ideal de sociedade de algumas pessoas. São claros exemplos de aporofobia, definida como a aversão a pobres que se expressa pelo preconceito e pela discriminação contra pessoas pobres. Quando pobre é visto como sinónimo de vagabundo, a sociedade tem que refletir sobre os valores que vive e transmite.

A família, a escola, também as igrejas, devem refletir sobre os valores que fomentam e transmitem aos outros. O fundamento do cristianismo é o amor, a misericórdia, a compaixão, uma atitude que deve estar presente na vida das pessoas, especialmente quando nos deparamos com aqueles que hoje estão jogados na beira do caminho. Quando a gente sai na rua com tapa-olhos, deixamos de enxergar o sofrimento alheio, e isso nos afasta de Deus e de nós mesmos, pois também nós deixamos de sermos humanos.

O que fazer para sentir a necessidade de enxergar, de escutar, de viver a compaixão? Como fazer realidade a necessária mudança social que nos impeça nos afastarmos daqueles que sofrem? Como viver a verdadeira religião, que nos leva a enxergar Deus naquele que tem fome, que tem sede, que é estrangeiro…? É tempo de parar e pensar, mas sobretudo de tirar os tapa-olhos e enxergar. É só querer e entender que a gente ganha bem mais.

Ouça:

*Missionário espanhol e Assessor de Comunicação do Regional Norte 1 da CNBB