Editorial: O barco está afundando, e a culpa é do capitão

Poderíamos dizer que se empenhar em remar para frente quando todo mundo diz que a melhor coisa e encostar-se à beira, é um claro sinal de burrice.  Quando todo mundo faz do jeito certo, a canoa avança, e, sobretudo, não afunda. Muitos dizem que é para encostar-se à beira, que o importante é chegar ao destino, mas o capitão do barco não está disposto a parar de jeito nenhum. Inclusive, aqueles da tripulação que tem enfrentado ele, tem sido jogados para fora do barco. Dessa vez, ninguém duvide, se o barco afundar, o culpado é o capitão. Ele foi avisado do que poderia acontecer. 

Editorial por Luis Miguel Modino*

Na Amazônia, os barcos formam parte do cotidiano do povo. No interior, até as crianças tem sua pequena canoa, e desde bem pequeno cada um vai aprendendo a remar juntos. Quando todo mundo faz do jeito certo, a canoa avança, e, sobretudo, não afunda. Tanto faz você ser o dono da canoa ou não, se afundar, você vai com ela, e quando uma canoa afunda, sempre existe o perigo de morrer, inclusive se achando bom nadador, bom atleta.

Essa necessidade de remar juntos é maior quando o perigo aumenta, ainda mais quando todo mundo vê o perigo chegar. Poderíamos dizer, seguindo a comparação, que se empenhar em remar para frente quando todo mundo diz que a melhor coisa e encostar-se à beira, é um claro sinal de burrice. Mesmo que você se ache o dono da canoa, sempre é bom remar junto com os outros, imagine quando a canoa não é sua, e sim emprestada.

O Brasil tem se tornado notícia mundial, as manchetes dos jornais internacionais fazem chacota de uma realidade, que na verdade é coisa muito séria, preocupante. Uma forte tormenta, que a grande maioria dos passageiros do barco está enxergando com grande preocupação, está muito próxima, de fato já estamos dentro dela. Muitos dizem que é para encostar-se à beira, que o importante é chegar ao destino, mas o capitão do barco não está disposto a parar de jeito nenhum. Inclusive, aqueles da tripulação que tem se enfrentado a ele, tem jogado fora do barco.

Até quando os passageiros vão aguentar a situação? No final, eles compraram a passagem e tem todo o direito de poder chegar ao seu destino. Ou será que ainda tem gente que prefere arriscar na sorte, confiar num capitão que já colocou em risco a vida de muitas pessoas com sua falta de visão sobre o que estava acontecendo com os outros barcos, todos decidiram esperar na beira, e sua falta de capacidade de escutar aqueles que eram mais experientes e conheciam melhor o rio?

Se comparar os dados de Manaus de ontem, 16 de abril, e os da quinta-feira passada, 9 de abril, o número de casos confirmados passou de 816 para 1493, um aumento de 182 %, uma porcentagem que ainda é bem maior entre os falecidos, que passaram de 34 para 112, o que representa 329 % a mais. Os números são assustadores, uma realidade ainda mais cruel se a gente olha a situação da saúde, que ameaça com o caos mais absoluto.

Diante disso, o que a gente vai fazer? Qual é nossa postura pessoal? O que estamos dispostos fazer para conter uma situação que já está tendo consequências trágicas para Manaus, para o Brasil e para o mundo? A postura da Igreja católica é clara, fazendo um chamado a ficar em casa, uma voz que as vezes é criticada até desde dentro da própria Igreja, onde não esqueçamos que tem quem coloca o lucro acima da vida. Aqui em Manaus, ontem, 16 de abril, nosso arcebispo Dom Leonardo Ulrich Steiner decretava mais trinta dias de celebrações sem o povo, uma decisão dolorida, mas consequente com a realidade que estamos vivendo e com aquilo que os números nos dizem.

Estamos na oitava da Páscoa, tempo para apostar na vida, que o Ressuscitado proclama e que nos convida a sermos testemunhas disso. Proclamamos a vida quando estamos dispostos cuidar de quem está sendo ameaçado por situações de morte, quando somos solidários diante do sofrimento dos mais atingidos por uma situação que provoca desespero em muita gente. É tempo de apostar pela vida, mas para isso temos que denunciar as situações de morte, muitas vezes consequência da falta de senso.

Num mundo globalizado, podemos dizer que todos estão navegando no mesmo mar, mas a gente está num barco onde o capitão dificilmente vai conseguir levá-lo ao destino. Dessa vez, ninguém duvide, se o barco afundar, o culpado é o capitão. Ele foi avisado do que poderia acontecer, mas nunca escutou a quem ele dizia estar lhe contrariando.

Ouça: 

*Missionário espanhol e membro da equipe de comunicação da REPAM – Rede eclesial Pan Amazônica.