Mais uma criança e dois jovens vítimas da violência. E a gente, como é que reage?

Editorial por Luis Miguel Modino*

Qual o sentimento que provoca em nós a morte do inocente? Como reagir diante da morte de mais uma criança de 11 anos, de uma jovem de 19 e outro de 20 anos?  A morte do Rafael, do Rafinha, como era conhecido no Prosamim de São Raimundo, da Milena e do Júlio Cesar, deve nos levar a refletir, a nos questionarmos como sociedade sobre realidades muito próximas da gente. De fato, eu saia de celebrar a missa na paróquia de São Raimundo quando na porta do SPA uma mãe gritava e chorava desconsolada e o povo se juntava na procura por notícias daqueles que pouco antes tinham sido baleados.

A dor, a indignação, deveria tomar conta da nossa sociedade, já passou da hora de reagir, de cobrar dos nossos políticos, a morte aconteceu na mesma hora em que era realizada a contagem dos votos das eleições municipais. Não podemos ficar indiferentes quando os sonhos de uma criança, de dois jovens, são ceifados de forma prematura, quando alguém chega num carro e começa a atirar a quem nesse momento está na rua.

Mesmo que muita gente veja aqueles que morreram como números que engrossam as estatísticas, devemos cobrar políticas públicas que ajudem a transformar a nossa sociedade. A primeira coisa a ser revista é a educação, com uma rede pública que faz com que muitas crianças e jovens desistam do estudo e acabem fazendo parte do mundo das drogas, da violência, também possibilidades de esporte, de lazer, de cultura, que possam cativar essas crianças e jovens e se afastar de realidades que geram violência e morte e promover oportunidades para eles, especialmente para os coletivos mais vulneráveis. A mesma coisa com as políticas de segurança, numa cidade cada vez mais insegura e violenta.

Em Manaus, a violência é mais uma pandemia que ceifa vidas, que mancha de sangue o chão da nossa cidade. No momento as pessoas reagem, inclusive organizam protestos diante do acontecido, mas aos poucos vamos esquecendo, retomando a rotina e nos deparando com novas mortes, que aos poucos ficaram apenas lembradas como números de uma lista interminável.

As palavras de alguém que conviveu com o Rafael devem nos levar a refletir: “conheci este garoto, convivemos na comunidade, conversando, celebrando, em formação da fé. Muitas vezes o encontrei com outras crianças quando ia jogar no campo da nossa Igreja. Ele agora se junta à infinidade de anjos celestiais. Ele é mais uma vítima da violência e da falta de segurança em Manaus”. As diferentes Igrejas deveríamos tomar consciência dessa realidade e fomentar a cultura da paz como base de nosso convívio social.

Diante do luto e da dor das famílias, de tantas pessoas que sofrem com a morte, somos desafiados como sociedade a refletir e procurar alternativas para uma sociedade que se dessangra, que perde vidas, muitas vezes inocentes, muitas vezes vítimas de um sistema que um dia as encerrou no mundo da violência, conduzindo-as a uma morte prematura. Somos chamados a reagir, mas será que a gente tem vontade de fazê-lo, tem coragem de enfrentar o sistema de morte que alguns querem instaurar no meio de nós?

Ouça: 

*Missionário espanhol e membro da equipe de comunicação da REPAM – Rede eclesial Pan Amazônica.