Justiça suspende ‘operação sem qualquer planejamento’ da polícia do Amazonas em Nova Olinda

A Justiça Federal publicou, no final da noite desta quinta-feira (21), decisão na qual determina ao Estado do Amazonas que suspenda imediatamente a operação policial deflagrada na região do rio Abacaxis, em Nova Olinda do Norte (AM). A decisão ocorreu após agravo de instrumento interposto nos autos pela Defensoria Pública da União (DPU) no Amazonas.

O desembargador federal relator Ilan Presser declarou, também, em caráter provisório, a competência do juízo de primeiro grau, para processar e julgar todos os pleitos veiculados, até o pronunciamento definitivo da Turma julgadora, uma vez que o juízo de primeiro grau tinha se declarado anteriormente incompetente para decidir sobre os atos do Estado do Amazonas.

A atuação da DPU/AM, por meio do defensor regional de direitos humanos, Luís Felipe Cavalcante, visa a coibir a prática de irregularidades que supostamente estariam sendo cometidas durante a execução de operação pela Polícia Militar do Estado do Amazonas em área ocupada por indígenas e ribeirinhos. A DPU recebeu denúncias de abusos e violações dos direitos humanos cometidos pela PM, com relatos de invasão de domicílio, condução ilegal, apreensão de celulares, agressão e tortura de uma liderança ribeirinha.

Em trecho da decisão, o desembargador esclarece que “as atividades que supostamente estariam sendo praticadas na mencionada área consistiriam na exploração indevida de garimpo, tráfico internacional de drogas e pesca esportiva, sendo de se destacar que a operação policial implementada pela Secretaria de Segurança do Estado do Amazonas teria sido deflagrada sem qualquer planejamento ou participação em conjunto dos órgãos federais de segurança, ao contrário do entendimento já emanado do STF”.

Ainda, é destacado na decisão que os autos indicam que a operação foi unilateralmente “determinada pelo Secretário de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM), Lourismar Bonates, que escalou o efetivo do Comando de Operações Especiais (COE) para missão sem qualquer ordem de serviço e preparatória ou levantamento de inteligência para que fosse levantado o grau de risco”.

“Cumpre ainda asseverar que as garantias asseguradas na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, segundo as quais qualquer utilização, por terceiros, de área tradicionalmente ocupada por povos indígenas e tribais, como no caso, depende de consenso informado das respectivas comunidades locais. E a referida providência, em princípio, também não teria sido previamente adotada”, considerou o Desembargador na decisão proferida ontem.

Confira aqui a íntegra da decisão

Oito pessoas foram assassinadas na região do Rio Abacaxis, desde o dia 24 de julho. Entre eles, dois Policiais Militares, o cabo Márcio Carlos de Souza e o sargento Manoel Wagner Silva Souza,  Anderson Monteiro, Matheus Araújo (16 anos), Vandrelania de Souza Araújo (34 anos) e Josimar Moraes da Silva ‘Munduruku’ (26 anos), além de duas pessoas não identificadas. O adolescente Josivan Moraes Lopes, ‘Munduruku’, de 17 anos, está desaparecido e seis pessoas foram feridas.

Até agora, a Polícia Civil prendeu quatro pessoas, todas envolvidas no assassinato dos policiais. Entre os presos estão três irmãs de Valdelice Dias da Silva, o Bacurau, apontado pela polícia civil como o líder de uma organização criminosa local que praticaria crimes como tráfico de drogas, homicídio, ameaça e crimes ambientais.

Sobre a operação em Nova Olinda do Norte e a decisão da Justiça, a Secretaria de Segurança Pública informou apenas que concluiu os trabalhos ostensivos na região no último dia 14 de agosto, na operação que visa desarticular uma organização criminosa ligada ao tráfico de drogas, crimes ambientais, ameaça e homicídios.

Entenda o caso – De acordo com as informações apuradas pelo MPF até o momento, as tensões se agravaram após uma série de potenciais abusos e ilegalidades relatados por indígenas e moradores dos assentamentos em relação à conduta dos policiais que participam de operação na área. A ação foi realizada supostamente para coibir o tráfico de drogas na região, no início deste mês, poucos dias após um episódio de lancha em conflito com os comunitários, por conta do uso do rio Abacaxis para pesca esportiva sem licença ambiental, que culminou em suposto atentado contra um dos tripulantes, o secretário-executivo de Estado Saulo Rezende.

Os policiais faziam uso da mesma embarcação particular utilizada para a pesca esportiva irregular e, segundo depoimentos dos comunitários, não usavam uniformes e não se identificaram mesmo após horas de atuação e abordagem inicial por lideranças extrativistas. A situação teria causado pânico em todas as comunidades e aldeias pensando se tratar de ato de represália privada. No dia seguinte, a SSP enviou efetivo de 50 policiais, incluindo o comandante da Polícia Militar no Amazonas, para o local. A partir daí, o MPF passou a receber relatos diários de diversos atos de abuso e violação de direitos por parte da Polícia Militar contra indígenas e extrativistas do rio Abacaxis, com relatos até mesmo da prática de tortura e homicídio.

Diante das práticas ilegais denunciadas há muito tempo pelos moradores da área, o MPF ressalta a importância do combate à criminalidade existente na região, contudo repudia veementemente qualquer tipo de violação de direitos humanos dos povos indígenas e populações tradicionais durante as investigações, condenáveis sob qualquer forma, atingindo inclusive pessoas potencialmente sem qualquer envolvimento em atividades ilícitas.

Força Nacional e Polícia Federal – Em resposta a requerimento do MPF e de outras instituições, a Força Nacional enviou 30 agentes, há uma semana, para a região do rio Abacaxis, com o objetivo de reforçar a segurança no local e garantir que a Polícia Federal investigue as violações cometidas contra os povos indígenas e comunidades tradicionais que habitam a área. Os agentes da Força Nacional deverão permanecer no local por, no mínimo, 60 dias.

A Polícia Federal está atuando na região após decisão da Justiça Federal em ação ajuizada pelo MPF, para assegurar a proteção dos indígenas e populações tradicionais da área, considerando os potenciais abusos e ilegalidade relatados por moradores do local. Na manifestação apresentada ao TRF, o MPF e a DPU informam que a Polícia Federal já constatou a ocorrência de assassinatos de indígenas e o desaparecimento de ribeirinhos na região.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região determinou a intimação do Estado do Amazonas com urgência, para que a decisão de suspensão da operação policial no rio Abacaxis seja cumprida de imediato.

O recurso julgado no TRF tramita sob o número 1026695-08.2020.4.01.0000. As ações cautelares apresentadas pelo MPF e pela DPU à Justiça Federal seguem tramitando na 9ª Vara Federal no Amazonas, sob os números 1013521-32.2020.4.01.3200 e 1013591-49.2020.4.01.3200.

Fonte: Da redação, com informações das assessoria da DPU, MPF e SSP.

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