Indecisão sobre responsabilidades afeta fornecimento de água em áreas rurais e ribeirinhas de Manaus

O Instituto Trata Brasil aponta que 56 mil pessoas não têm água na torneira, em Manaus. Em outras palavras, esse quantitativo representa 2,5% da população da capital. As áreas mais críticas são aquelas fora do perímetro urbano, como as comunidades rurais e ribeirinhas.

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Conforme o gerente de operações da concessionária Águas de Manaus, Lineu Machado, a empresa “não consegue ter a mesma velocidade das ocupações na distribuição de água”.

Ou seja, além da população que vive às margens dos rios e nas áreas rurais, há também o crescimento desordenado da cidade, que leva ao surgimento constante de ocupações irregulares em regiões sem infraestrutura.

Esse conjunto de fatores deságua em um impasse: quem deve ser responsável por garantir o acesso à água potável dos cidadãos brasileiros que vivem nestas localidades de Manaus?

De quem é a responsabilidade?

Essa pergunta foi feita à prefeitura de Manaus, ao governo do Amazonas, à concessionária Águas de Manaus e ao presidente da Câmara Municipal de vereadores (CMM).

A prefeitura de Manaus e a Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Município (Ageman) não responderam a Rádio Rio Mar.

“Não sei informar”, respondeu o presidente da CMM, Caio André (Podemos), sobre quem é responsável por garantir o acesso à água potável nas comunidades rurais e ribeirinhas de Manaus.

Já o governo do Estado informou, através da Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama), que “não (não é responsável por levar água tratada para comunidades rurais ou ribeirinhas de Manaus), porém, assim que solicitado e feito um termo de cooperação técnica, cumprindo seu papel de responsabilidade social, a Cosama apresenta algumas soluções para fornecimento de água potável”.

A Águas de Manaus respondeu que “atua na área urbana da capital amazonense, conforme estabelecido no contrato de concessão” e acrescentou que “a empresa está acompanhando o crescimento vegetativo da cidade, mapeando constantemente novas regiões que podem receber o serviço”.

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“A gente não consegue ter a mesma velocidade das ocupações na distribuição de água”, disse o gerente de operações da Águas de Manaus, Lineu Machado, sobre o fornecimento de água potável a pessoas que vivem fora do perímetro urbano de Manaus.

 

Lineu Machado afirmou, porém, que a concessionária está disposta a levar água para diversas comunidades. “Mas nós atendemos o perímetro urbano, o que está dentro da área de concessão, pré-determinada pelo poder concedente, pelo município. Não querendo dizer que não estamos dispostos a dar todo o suporte técnico e abrir conversas com o poder concedente para que se atenda também comunidades ribeirinhas ou até mesmo flutuantes, pois não é nada impossível de se atender”.

Comunidades esperam 7 anos por água tratada

Enquanto nenhum ente público ou privado assume para si a responsabilidade de garantir água tratada para comunidades rurais e ribeirinhas de Manaus, obras pontuais demonstram boa intenção. Eventualmente há entregas de estruturas para a população que vive fora do perímetro urbano.

Em março de 2021, os 2,6 mil moradores do Parque das Tribos, no Tarumã, zona oeste, receberam água tratada nas torneiras de casa pela primeira vez. Houve a inauguração de um sistema de abastecimento construído pela Prefeitura de Manaus e pela Águas de Manaus, na maior comunidade indígena urbana da capital. Essa é uma das áreas com maior vulnerabilidade social da cidade.

Gisele Nhamã é técnica de enfermagem indígena e moradora do Parque das Tribos.

“Foram 7 anos de luta, né? Para poder chegar, a água. É uma vitória”, disse a técnica de enfermagem indígena, Gisele Nhamã, moradora do Parque das Tribos.

Lutana kokama parque das tribos

“Era muito dificultoso para nós, mães indígenas, que têm filhos pequenos, às vezes acordar e não ter um pingo d’água. E eu vejo que a Águas de Manaus trouxe um benefício. O qual nós, população indígena, precisamos para nossas casas”, comentou a cacique fundadora da comunidade Parque das tribos, Lutana kokama.

Da mesma forma, em julho deste ano, pelo menos 115 famílias da comunidade Ebenézer, localizada no igarapé Tarumã-Mirim, na margem esquerda do rio Negro, 25 quilômetros distante do Centro de Manaus, já na zona rural, receberam um sistema de abastecimento e distribuição de água, entregue pela Cosama.

As obras começaram em 2016 e custaram R$ 1,3 milhão. O sistema de tratamento tem um poço com 100 metros de profundidade e um reservatório capaz de armazenar 64 mil litros de água. Além disso, tem casa de cloração química, além de 3,2 quilômetros de redes de distribuição de água e 115 hidrômetros instalados.

Ciência apresenta alternativa

Enquanto há impasse entre poder público e iniciativa privada sobre a responsabilidade pelo abastecimento de água fora do perímetro urbano, existe a necessidade indispensável e inegociável ao acesso à água potável. E neste cenário, a ciência se torna uma aliada promissora. E o melhor, sem agredir o meio ambiente.

O pesquisador Alex Martins Ramos, Doutor em Engenharia Química pela Universidade Estadual de Campinas, desenvolveu um sistema simplificado de tratamento de água para abastecimento de comunidades rurais e ribeirinhas.

O projeto piloto foi instalado em Itacoatiara, às margens do Rio Amazonas, de onde a água é captada. A princípio, a estrutura pode potabilizar até 500 litros de água por hora, a baixas pressões.

Conforme o pesquisador, o sistema de três etapas pode ser aplicado às margens de lagos e rios amazônicos, como o Rio Negro, em Manaus. Ainda mais, sem afetar a fauna e a flora, pois o lodo gerado pelo processo é biodegradável e, portanto, é ecossustentável.

alex ramos, pesquisador, fapeam, tratamento de água, itacoatiaraa “É possível obter água potável com o mínimo de impacto possível, uma vez que usamos o carvão ativado como absorvente e o coagulante natural, cujo o lodo gerado é biodegradável”, afirmou o pesquisador Alex Martins Ramos.

 

Os produtos utilizados no projeto são: coagulante natural Tanfloc (feito à base de taninos vegetais), carvão ativado granular e desinfetante. As três etapas do processo são: clarificação, filtração e desinfecção.

Segundo Alex Martins, o sistema se chama “simplificado” porque tem apenas três etapas, enquanto o processo da Águas de Manaus, por exemplo, tem cinco. Além disso, ele ressalta que o projeto pode ser adotado para potabilização em larga escala. A água obtida através desse ciclo alcançou os parâmetros exigidos para o consumo humano pela Portaria GM/MS n. 888/2021, do Ministério da Saúde, quanto a cor, turbidez, sólidos totais em suspensão, pH, coliformes totais e Escherichia Coli.

Ouça abaixo a entrevista com Alex Martins, na qual ele explica os detalhes da pesquisa, do sistema e da relação custo benefício do projeto.

Etapas do tratamento de água em Manaus e o respeito ao meio ambiente

Para potabilizar 22 milhões de metros cúbicos do Rio Negro por mês, a Águas de Manaus utiliza 2 mil toneladas de produtos químicos. Entre eles, o sulfato de alumínio, a cal e o sal. Ao mesmo tempo, o processo gera mais de uma tonelada de resíduos a cada 30 dias, em forma de lodo.

De acordo com o gerente de operações da Águas de Manaus, Lineu Machado, a substância sólida gerada pelo processo de tratamento da água do Rio Negro vai para a empresa Timac Agro, de Porto Alegre (RS). Em seguida, ela transforma o resíduo em fertilizante e vende para todo o Brasil e até para o exterior.

Assista abaixo a entrevista com Lineu Machado, na qual ele explica todo o processo de tratamento da água distribuída em Manaus. Do mesmo modo, ele fala sobre os desafios de atender aos locais mais distantes do perímetro urbano.

Bruno Elander – Rádio Rio Mar

Fotos: Divulgação e reprodução (Águas de Manaus, Alex Ramos, Secom, Facebook)

 

Nota 1: Alex Martins Ramos tem Graduação em Química pela Universidade Federal do Amazonas (2005); experiência na área de Química, com ênfase em Química Ambiental, Química Analítica e ensino de Química e em Engenharia Química, com ênfase na Área de Engenharia de Processos. É mestre em Química, área de concentração Química Ambiental e professor no Instituto de Ciências Exatas e Tecnologia, da Universidade Federal do Amazonas. Doutor em Engenharia Química pela Universidade Estadual de Campinas na área de Engenharia de Processos.

Nota 2: Já aprovada no Senado Federal, atualmente tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/21. Ela inclui a água potável na lista de direitos e garantias fundamentais da Constituição.