Fraternidade e Fome: Brasil paga trilhões em juros, mas políticos negligenciam auditoria da dívida

A Constituição Federal brasileira foi promulgada em outubro de 1988 e determina no Artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a obrigatoriedade de realização de uma auditoria da dívida, porém, isso nunca aconteceu. Nesse tempo, a dívida pública brasileira saiu de R$ 153 bilhões, em 1995, para R$ 7,8 trilhões de endividamento interno e U$ 575,3 bilhões externo, em 2022. O salto supera os 5.000% em 28 anos.

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Durante essas mais de três décadas desde a promulgação da Constituição Federal, a classe política tem negligenciados a determinação constitucional em favor de interesses do mercado financeiro, em especial dos brancos, que se beneficiam do pagamento de altos juros e da comercialização dos papéis da dívida.

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O Brasil tem, atualmente, os maiores juros reais do planeta terra, segundo levantamento feito pelo MoneYou e pela Infinity Asset Management. E uma auditoria nesses quase 30 anos de dívidas acumuladas pode identificar se há cobranças ilegais, abusivas ou arbitrárias. Contudo, para quem lucra com a rentabilidade, mudar esse cenário não é nada interessante.

Ricos não tributados

De acordo com o economista e ex-deputado federal José Ricardo, o assunto não é debatido no Brasil porque o sistema financeiro exerce grande influência sobre diversos setores do País. Ele cita, inclusive, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, conhecida como ‘PEC do Teto de Gastos’, aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2016, no governo de Michel Temer (MDB), que limitou gastos com saúde, educação e segurança, mas não limitou os gastos para pagamento de juros da dívida.

“Ter um movimento que há muitos anos luta por uma auditoria para rever esses contratos, para tentar reduzir. Mas isso não é fácil, porque há muita pressão do setor financeiro e acaba que no final a própria classe política enfrentando isso. Isso é igual a história de cobrar impostos dos mais ricos, taxar as grandes fortunas, que é o único imposto que está na Constituição e que até hoje não foi regulamentado. Então você vê como é difícil porque os mais ricos são os que têm mais poder, né? São os donos dos meios de comunicação, são os donos de grandes empreendimentos. Então eles têm grande influência para impedir que se faça a cobrança de impostos sobre os grandes lucros deles. Então, acho que nesse tema da Campanha da Fraternidade deste ano é um assunto muito importante para ser discutido”, disse o economista José Ricardo..

O brasileiro paga mais de 15 impostos diferentes. Porém, como disse José Ricardo, o único tributo previsto na Constituição Federal e que não é cobrado, é o Imposto sobre Grandes Fortunas, que incidiria, principalmente, sobre os lucros e dividendos de bancos e operadores do mercado financeiro.

Hoje o brasileiro trabalha entre 4 e 5 meses só para pagar impostos, cerca de 150 dias por ano. E quase 40% de todo esse dinheiro arrecadado (R$ 1,8 trilhão em 2022), vai para as mãos de apenas 15 mil credores, 15 mil famílias, conforme levantamento do economista Marcio Pochmann.

Em depoimento no documentário “Dívida pública brasileira – A soberania na corda bamba”, de Carlos Pronzato, o professor de economia da Universidade Federal Fluminense, Marcelo Carcanholo cita que, entra governo e sai governo, e nenhum político analisa a dívida, apenas paga.

“Se a gente olhar a forma como o governo brasileiro vem tratando a questão, não mudou muito. Primeiro, não se discute o não pagamento, não se discute a auditoria. Reconhece-se o estoque da dívida. Não há nenhum senso crítico a respeito dela. Como é que ela foi criada? Qual o papel da ditadura nisso? Em quais condições em que foram assinados os acordos? Não se questiona nada disso. O argumento é que disso gera credibilidade nos mercados”, disse o professor de economia Marcelo Carcanholo.

Em 2009, o governo do Equador decidiu fazer uma auditoria da dívida e identificou tantas ilegalidades que conseguiu cancelar 70% da dívida.

A Islândia, ilha com 350 mil habitantes, fez um plebiscito em 2012 no qual a população decidiu que o governo não deveria pagar dívidas internacionais. Depois, sete banqueiros foram presos. Hoje é o País mais seguro do mundo e a população está entre as três mais felizes do mundo.

Argentina teve uma decisão judicial que dizia que a dívida estava constituída em bases ilegais e não deveria continuar sendo paga da forma que estava. No entanto, o governo optou por fazer inúmeras renegociações ao invés de parar de pagar nas condições vigentes.

 

Reflexão:

Um médico atende pessoas doentes.

Um professor ensina algo a alguém que não sabe.

Um pedreiro constrói casas.

E o banqueiro, o que ele produz para o Brasil?

Bruno Elander – Rádio Rio Mar

Foto: Agência Senado