Crise do oxigênio completa 1 ano: relembre fatos marcantes e veja situação atual

Hospitais lotados, filas em corredores à procura de um leito. Medo e desespero. Esse era o cenário há exatamente um ano, em Manaus, quando o sistema de saúde colapsou, pela segunda vez em poucos meses, mas dessa vez, faltou um insumo básico à sobrevivência: o oxigênio.

Foto: Ana Maria Reis / Rádio Rio Mar

Nos dia 14 e 15 de janeiro de 2021, o Amazonas viveu um dos episódios mais tristes da pandemia: enquanto os casos de Covid-19 aumentavam, não tinha oxigênio para tratar os pacientes com sintomas graves em nenhum dos hospitais.

Ouça a reportagem em áudio:

Foram dias difíceis para o pedreiro Francisco José, morador do município de Iranduba. Na época, ele tinha amigos e familiares internados com Covid-19. Francisco veio para a capital em busca do oxigênio. Foram horas de espera na fila para conseguir. Ainda assim, perdeu dois amigos próximos e um irmão para a doença.

“Eu via as pessoas dando entrada no hospital e morrendo. Foi algo inexplicável. Quando fomos em busca do oxigênio, a gente via o povo desesperado. Tinha muita gente na fila para conseguir o oxigênio. Tinha gente até com ambulância em busca do oxigênio. Quando chegava aquele momento de encher os recipientes, era uma luta, a gente ouvia e via as pessoas gritando, chorando, pedindo por favor que oxigênio fosse suficiente para todos. Realmente, desesperador”, lamentou.

O advogado Stanley Braga perdeu os pais para a covid-19. Eles morreram em 2020, antes da chegada da vacinação ao Estado. Durante a crise do oxigênio, Stanley estava internado com a doença em estado grave. Hoje, vacinado, a saudade e o sentimento de impotência não passam.

“O vírus está aí. A gravidade dele é real. Eu mesmo fiquei 23 dias internado, passei pela possibilidade de quase ser entubado. Eu senti na pele o que que é isso. E tem que ser levado a sério, porque é uma doença muito traiçoeira. Perdi meus pais de uma forma tão repentina e num espaço de tempo tão curto é uma situação difícil de passar, mas estamos aqui”, contou.

De todos os ângulos possíveis, a situação era complicada. Para quem trabalhava na linha de frente de combate ao vírus, é impossível esquecer a situação vivenciada naqueles dois dias. O médico Kenit Minori conta como se sentiu diante de tudo o que viveu durante a crise da falta de oxigênio.

“Eu trabalhava já em alguns hospitais, apesar do pouco tempo de formado. Mas a crise do oxigênio foi algo bem impactante na minha vida, até hoje não não vi nada igual. Foi algo realmente desesperador. Respirar é uma coisa que a gente faz tão inconsciente, puxando o ar para dentro dos pulmões e você ver número de pessoas não conseguir fazer esse gesto mexeu muito com todos nós, profissionais de saúde. Conseguimos salvar algumas vidas, mas, outras, infelizmente, não. Foi algo trágico”, lembrou.

Médico Kenit Minori atuou na linha de frente de combate ao coronavírus durante a crise do oxigênio. Foto: Arquivo Pessoal

Médico Kenit Minori atuou na linha de frente de combate ao coronavírus durante a crise do oxigênio. Foto: Arquivo Pessoal

Na época, o governo do Estado informou que a demanda média de oxigênio subiu de 30 m³ subiu para 70³ em poucos dias, e ultrapassou a capacidade de fornecimento da empresa contratada. Em meio ao caos, o Amazonas passou a receber oxigênio de outros Estados em aviões da Força Aérea Brasileira. Artistas e personalidades se mobilizaram em prol da causa, e também ajudaram com doações.

Houve também, um pico de emoções muito grande. O emocional foi afetado, conforme explicou a psicóloga Luana Cunha. As consequências são físicas e emocionais.

“Todo mundo ficou ansioso, preocupado, inseguro, com incertezas. Naquele momento era difícil de avaliar quais seriam as condições psicológicas ou como as pessoas ficariam, mas com o passar das semanas a gente começou a observar um número muito grande de pessoas trazendo sintomas de ansiedade, depressão, de insônia e cansaço extremo, e até mesmo de estresse pós-traumático por ter vivenciado alguns episódios de emoção muito intensa. Já sabíamos que a pandemia teria uma consequência não só fisiológica mas psicológica muito grande”, disse.

Stanley ao lado da família. Foto: Arquivo Pessoal

Stanley ao lado da família. Jovem lembra com saudade dos pais, vítimas da covid-19. Foto: Arquivo Pessoal

Além disso, pacientes foram transferidos para outros estados durante a crise de oxigênio. Foram 542 transferências, para 16 estados, do dia 15 de janeiro ao dia 10 de fevereiro de 2021, com apoio do Ministério da Saúde, do Ministério da Defesa, por meio da Força Aérea Brasileira e do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Desses, 444 pacientes retornaram a Manaus recuperados da Covid-19.

Atualmente, são 11 usinas na capital e 30 usinas em operação em todo o interior do Estado. Outras cinco usinas estão em trânsito para entrarem em operação, duas para unidades de saúde na capital e três para o interior. O Governo também realizou o processo licitatório para aquisição das 29 usinas de oxigênio, incluindo sistema para abastecimento de cilindros de oxigênio.

Há em todo o estado 2.825 cilindros de oxigênio, de tamanhos que variam entre 3 a 50 litros, adquiridos por meio de doação ou compra. Desse total, 2.441 cilindros estão distribuídos nos 61 municípios do interior. Oito unidades de saúde na capital possuem usinas de oxigênio em operação.

Rebeca Beatriz – Rádio Rio Mar

Fotos: Rádio Rio Mar