Editorial: 300.000, será que só é um número?

Editorial Por Luis Miguel Modino*

Cuidar da vida é cada mais urgente num tempo em que a morte tem se instalado no nosso cotidiano como algo que não nos questiona mais. Chegar nas 300.000 vítimas da pandemia da Covid-19 no Brasil, delas quase 8.400 em Manaus, o que faz da capital amazonense um dos locais mais gravemente atingido no Brasil e no mundo, com 4.000 óbitos por milhão de habitantes, tem que nos levar a nos perguntarmos muitas coisas. Não podemos esquecer que atrás de cada número se esconde um rosto, uma história, uma vida.

Não podemos esquecer aqueles e aquelas com quem a gente se encontrava no dia a dia, gente com quem a gente ria, chorava, disfrutava, se apoiava, partilhava a vida, gente da gente. Ao escrever passam na memória da gente rostos concretos de quem se foi, mas também de quem despedia aos que eram parte decisiva de sua vida.

O sentimento é de dor, mas também de indignação, por ter chegado nesse ponto. Aos poucos fomos nos acostumando com uma realidade que tem nos conduzido a uma situação de sofrimento e morte. As decisões erradas foram se somando, provocando consequências cada vez mais graves. O que a gente tem feito para evitar tudo isso? Como temos nos posicionado e atuado diante de tudo o que temos vivenciado no último ano?

Quase um ano atrás, no dia 27 de março de 2020, o Papa Francisco, na oração na Praça de São Pedro vazia, fazia um chamado a entender e assumir que todos estamos no mesmo barco, pedindo a união diante de uma pandemia que só estava começando. Mas muitos tem preferido olhar para o outro lado, colocar posicionamentos políticos acima do cuidado com a vida, ignorar a ciência e seguir ideias que poco se preocupavam com o cuidado da vida.

O que a mais tem que acontecer para a gente agir firmemente diante de uma pandemia que está massacrando a vida de tantas pessoas, de tantas famílias? Como ajudar o povo entender que atrás dos números está a vida de pessoas? Como tomar consciência de que atrás dessa situação está um sistema social, político e econômico completamente falidos, que não se preocupa com o sofrimento do povo, sobretudo dos mais pobres?

Dominados pelas mentiras, pela informação que muitas vezes mostra aquilo que é do interesse dos diferentes poderes, somos chamados a olhar para frente e juntos encontrarmos possíveis caminhos de solução. Diante da falta de atitude daqueles a quem foi confiado a toma de decisões no país, os diferentes atores sociais são desafiados a oferecer alternativas que façam possível uma reviravolta numa realidade de morte.

Não podemos deixar que a falta de esperança tome conta da nossa sociedade, não podemos entrar numa dinâmica de morte que nos leve a aceitar essa realidade como algo que não tem mais jeito. A solução depende de todos nós, do nosso compromisso com a vida, do nosso empenho em buscar alternativas que ajudem a cuidar da vida, a providenciar vacina para todos, de maneira urgente.

É tempo de nos unirmos, de superar as diferenças, de ter um sentimento de humanidade, de deixar para trás toda falta de empatia, tão presente no meio da gente nos últimos tempos. Nossa indiferença e falta de compromisso pelo cuidado se tornam as melhores aliadas de uma pandemia que já trouxe muita dor, sofrimento e morte.

Ouça:

*Missionário espanhol e Assessor de Comunicação do Regional Norte 1 da CNBB