Editorial Por Luis Miguel Modino*
Uma Carta ao Povo de Deus, assinada no primeiro momento por 152 bispos, depois tem se unido mais, se tornou nos últimos dias motivo de debate no âmbito eclesial e social brasileiro, inclusive no exterior. A carta, em um tom propositivo e construtivo, partindo da realidade que o Brasil e seu povo está vivenciando, que os bispos definem como grave, faz um chamado na busca de alternativas de futuro.
Não podemos esquecer que a defesa dos pequeninos, da justiça e da paz, é uma atitude que nem sempre os poderosos aceitam. De fato, os bispos querem prestar um “serviço a todos os que desejam ver superada esta fase de tantas incertezas e tanto sofrimento do povo”. Já são quase 2,6 milhões de contagiados no Brasil e o número de mortos tem superado os 91 mil, o que tem provocado dor em muitas famílias e pessoas no Brasil afora.
A atitude profética, algo fundamental na vida da Igreja e de todo cristão, deve estar acima de “interesses político-partidários, econômicos, ideológicos ou de qualquer outra natureza”, algo que os bispos enfatizam. É só o Reino de Deus, ainda mais em um dos períodos mais difíceis da história do Brasil, que tem como principais causas “o Presidente da República e outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise política e de governança”, segundo os bispos.
Em um país cada vez mais polarizado, confrontado, onde o insulto está na ponta da língua da maioria, os bispos reclamam diálogo, propostas e pactos objetivos. Do contrario, os segmentos mais vulneráveis e excluídos da sociedade vão sofrer, e muito. A mesma coisa pode-se dizer da casa comum, da nossa Querida Amazônia, cada vez mais ferida.
Na verdade não dá mais para ficar parado diante de discursos anticientíficos, das falas daqueles que ainda vem a COVID-19 como algo natural, que não tem jeito, inclusive aqueles que chegam dizer que isso é um castigo divino. Por isso, os bispos se preocupam, diante do caos, cada vez mais próximo, do desemprego e a carestia, da corrupção política para se manter no poder a qualquer preço. Estamos diante de um cúmulo de decisões erradas, sempre em favor “de pequenos grupos poderosos em detrimento da grande maioria da população”.
Como expressado muitas vezes pelo presidente da República, mais importante do que a pessoa, é a defesa de uma “economia que mata”, algo que segundo os bispos nos leva a conviver “com a incapacidade e a incompetência do Governo Federal, para coordenar suas ações”. Cada dia nos deparamos com mais uma atitude que choca, tanto o Brasil como o exterior, desprezando aquilo que é básico: educação, liberdade de pensamento e imprensa, boas relações internacionais, saúde, sem ministro há mais de dois meses, e a propia sensibilidade com a vida e quem cuida dela.
Os bispos deixam claro que não dá mais diante da “omissão, apatia e rechaço pelos mais pobres e vulneráveis da sociedade, quais sejam: as comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, as populações das periferias urbanas, dos cortiços e o povo que vive nas ruas, aos milhares, em todo o Brasil”. Eles sempre sofreram, e agora com a pandemia, ainda mais. Até a religião se tornou instrumento “para manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, criar tensões entre igrejas e seus líderes”, inclusive Deus e sua Palavra são manipulados.
Diante dessa situação, “o momento é de unidade no respeito à pluralidade!”, reconhecem os bispos, que propõem “um amplo diálogo nacional”, que possa mudar completamente a realidade. Mas será que a sociedade brasileira ainda tem capacidade para dialogar? Tem muitos que são incapazes, pois se acham donos da verdade, mas a maioria está dominado por um “sono que nos imobiliza e nos faz meros espectadores da realidade de milhares de mortes e da violência que nos assolam”.
Ouça:
*Missionário espanhol e membro da equipe de comunicação da REPAM – Rede eclesial Pan Amazônica.