Ser negro e ser mulher… no Brasil isso sempre foi um problema

Editorial por Luis Miguel Modino*

Nos últimos dias era comemorado o Dia da Consciência Negra e o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra a Mulher. São realidades presentes no mundo e que no Brasil tem se tornado um problema estrutural, que mostra uma discriminação sempre presente, mesmo que muitas vezes queira ser negada, disfarçada ou ignorada. Ser mulher e ser negro no Brasil é causa potencial de inferiorizarão, de abuso, de opressão.

A violência contra a mulher, 70% das mulheres sofrem violência ao longo de sua vida, começa no âmbito doméstico e daí é levado ao âmbito público. De fato, neste tempo de pandemia, em que a gente tem ficado mais em casa, nos deparamos com que, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no primeiro semestre de 2020 foram 648 vítimas de feminicídio, 1,9% a mais que 2019. Segundo os dados, a violência contra a mulher foi acentuada na pandemia, mesmo que as dificuldades enfrentadas pelas mulheres para realizar a denúncia, não só pelo isolamento social, mas também pelo medo de ter que voltar para dentro de casa e passar grande parte do tempo ao lado do seu agressor, tenha sido uma constante.

A pandemia da violência contra a mulher junta-se à pandemia do racismo. Os episódios racistas se repetem nos diferentes cantos do Brasil. Na semana passada, na cidade de Porto Alegre, João Alberto Silveira Freitas, perdia a vida no supermercado Carrefour, espancado por seguranças. Nos últimos dias era conhecido que o Padre Riva Rodrigues de Paula, na paróquia São José e Nossa Senhora das Dores, na cidade de Alfenas, na diocese de Guaxupé, em Minas Gerais, era vítima de racismo.

Segundo o padre, de 42 anos, “via telefone eles falaram muitas coisas. Era para ser avisado quando o padre preto ia celebrar a missa, porque eles não gostam de negro”. Na semana passada, “o casal chegando para celebração perguntou se era o padre preto fedido que ia celebrar a missa de novo”, afirma o padre. Mesmo que a lei brasileira considera isso como crime, ele preferiu não dar queixa na delegacia, pois “eu acredito na força do amor e optei pela conscientização. A primeiro momento, as palavras têm um impacto muito grande sobre nós. Mas rezando, eu optei pelo desabafo, pela denúncia e levar o nosso povo a conscientizar, que nenhum tipo de preconceito é bem-vindo na nossa sociedade”.

Qual o sentimento que a violência contra a mulher e o racismo provoca na gente? O que nós fazemos para combater a discriminação persistente contra as mulheres e os negros? O que deve ser feito por cada um de nós e pela sociedade para superar essas pandemias que segregam, provocando sofrimento e morte? Como estamos educando as crianças, os jovens, nas nossas famílias, escolas, igrejas, para mudar uma realidade claramente contrária à vida?

É preciso dar um basta! O respeito pelo outro deve ser uma exigência cada vez mais clara. Somos desafiados a cobrar das instituições públicas para que se instaurem os mecanismos necessários para que essas realidades sejam desterradas da sociedade. São muitas as vidas sofridas, injuriadas, excluídas e destruídas, muitas vezes consequência de nossa omissão. Não esqueça que olhar para o outro lado e fazer de conta que nada acontece é algo que contribui para que ser negro e ser mulher no Brasil, continue sendo um problema.

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*Missionário espanhol e membro da equipe de comunicação da REPAM – Rede eclesial Pan Amazônica.