Nesta quarta-feira (4), o Papa Francisco publicou a segunda parte da carta encíclica Laudato Si, documento que defende o cuidado com o meio ambiente e a preservação dos recursos naturais.
“Laudate Deum” é o título da carta. Porque um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo”. Com essas palavras, conclui-se a exortação apostólica do Papa Francisco.
Em 6 capítulos e 73 parágrafos, olhando para a COP28 em Dubai daqui a dois meses, o Sucessor de Pedro pretende fazer um apelo à corresponsabilidade diante da emergência das mudanças climáticas, porque o mundo “está desmoronando e talvez se aproximando de um ponto de ruptura”.
No primeiro capítulo, o Papa explica que, por mais que tentemos negá-los, “os sinais da mudança climática estão aí, cada vez mais evidentes”. Ele cita “fenômenos extremos, períodos frequentes de calor anormal, seca e outros gemidos da terra”.
A culpa não é dos pobres
Para aqueles que culpam os pobres por terem muitos filhos e talvez tentem resolver o problema “mutilando as mulheres nos países menos desenvolvidos”, Francisco lembra “que uma reduzida percentagem mais rica do planeta polui mais do que o 50% mais pobre”.
Em seguida, o Papa desafia aqueles que afirmam que o menor uso de combustíveis fósseis levará “à diminuição dos postos de trabalho”. Na realidade, “milhões de pessoas perdem o emprego” devido às diversas consequências da mudança climática.
Indubitável origem humana
“A origem humana – ‘antrópica’ – da mudança climática já não se pode pôr em dúvida”, diz Francisco. “A concentração na atmosfera dos gases com efeito estufa… nos últimos cinquenta anos, o aumento sofreu uma forte aceleração”. Ao mesmo tempo, a temperatura “aumentou a uma velocidade inédita, sem precedentes nos últimos dois mil anos”. Isso resultou na acidificação dos mares e no derretimento dos glaciares. A coincidência entre esses eventos e o crescimento das emissões de gases de efeito estufa “não pode ser escondida.
Em tempo para evitar danos mais dramáticos
“Vejo-me obrigado, continua Francisco, a fazer estas especificações, que podem parecer óbvias, por causa de certas opiniões ridicularizadoras e pouco racionais que encontro mesmo dentro da Igreja Católica. Mas não podemos continuar a duvidar que a razão da insólita velocidade de mudanças tão perigosas esteja neste facto inegável: os enormes progressos conexos com a desenfreada intervenção humana sobre a natureza”. Infelizmente, algumas manifestações dessa crise climática já são irreversíveis por pelo menos centenas de anos.
O paradigma tecnocrático: a ideia de um ser humano sem limites
No segundo capítulo, Francisco fala do paradigma tecnocrático que “consiste, substancialmente, em pensar como se a realidade, o bem e a verdade desabrochassem espontaneamente do próprio poder da tecnologia e da economia” com base na ideia de um ser humano sem limites.
O Papa reitera que “o mundo que nos rodeia não é um objeto de exploração, utilização desenfreada, ambição sem limites”. Ele também lembra que estamos incluídos na natureza, e “isso exclui a ideia de que o ser humano seja um estranho, um fator externo capaz apenas de danificar o ambiente”.
Decadência ética do poder: marketing e informações falsas
“Realizamos progressos tecnológicos impressionantes e surpreendentes, sem nos darmos conta, ao mesmo tempo, que nos tornámos altamente perigosos, capazes de pôr em perigo a vida de muitos seres e a nossa própria sobrevivência”. “A decadência ética do poder real é disfarçada pelo marketing e pela informação falsa, mecanismos úteis nas mãos de quem tem maiores recursos para influenciar a opinião pública através deles”.
Política internacional fraca
No capítulo seguinte da exortação, o Papa aborda o tema da fraqueza da política internacional, insistindo na necessidade de favorecer “acordos multilaterais entre Estados”. Ele pede “organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para assegurar o bem comum mundial”. Essas organizações que “devem dotadas duma real autoridade que possa “assegurar” a realização de alguns objetivos irrenunciáveis”.
Francisco lamenta “que as crises globais sejam desperdiçadas, assim como sucedeu na crise financeira de 2007-2008 e com a pandemia, que trouxeram “maior individualismo, menor integração, maior liberdade para os que são verdadeiramente poderosos e sempre encontram maneira de escapar ilesos”.
Inúteis as instituições que preservam os mais fortes
Francisco propõe ” um multilateralismo, a partir de baixo, e não meramente decidido pelas elites do poder”. Ele lembra que é necessário um “quadro diferente para uma cooperação eficaz”. Portanto, precisamos de “uma espécie de maior democratização na esfera global.
O que se espera da COP de Dubai?
No capítulo seguinte, analisando a COP28, Francisco escreve: “Não podemos renunciar ao sonho de que a COP28 leve a uma decidida aceleração da transição energética, com compromissos eficazes que possam ser monitorizados de forma permanente.
Chega de ridicularizar a questão ambiental
Francisco pede o fim da “atitude irresponsável” daqueles que ridicularizam a questão ambiental por interesses econômicos: em vez disso, trata-se de “dum problema humano e social em sentido amplo e a diversos níveis. Por isso requer-se o envolvimento de todos”. Com relação aos protestos de grupos radicalizados, o Papa afirma que “eles preenchem um vazio da sociedade”, pois caberia “a cada família pensar que está em jogo o futuro dos seus filhos” e exercer uma pressão saudável.
O Pontífice espera que da COP28 surjam “formas vinculantes de transição energética” que sejam eficientes e “facilmente monitoráveis”.
Um compromisso que brota da fé cristã
Por fim, o Papa recorda as razões desse compromisso que brota da fé cristã, incentivando “os irmãos e irmãs de outras religiões a fazerem o mesmo”. “A cosmovisão judaico-cristã defende o valor peculiar e central do ser humano no meio do maravilhoso concerto de todos os seres… formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde”.
O que é importante, escreve Francisco, é lembrar que “não há mudanças duradouras sem mudanças culturais… e não há mudanças culturais sem mudança nas pessoas”. “Os esforços das famílias para poluir menos, reduzir os esbanjamentos, consumir de forma sensata estão a criar uma nova cultura”.
O pontífice conclui lembrando “que as emissões pro capite nos Estados Unidos são cerca do dobro das dum habitante da China e cerca de sete vezes superiores à média dos países mais pobres”.
Com informações do Vatican News
Foto: Divulgação