O que fazer como sociedade e como Igreja diante do egoísmo, a ganância e o descarte da pessoa, que fazem com que o ser humano se torne simples objeto? Como unir nossas vozes e nos comprometermos no enfrentamento de situações que destroem a vida das pessoas, especialmente dos mais pobres?
Editorial por Luis Miguel Modino
A vida nos desafia a analisar a realidade e ter uma postura crítica diante dos fatos que acontecem. Desde 2015, a Igreja Católica celebra todo dia 8 de fevereiro a Jornada Mundial de Oração e Reflexão contra o Tráfico de Pessoas. Aos poucos, a Igreja do Brasil vai assumindo o desafio de se posicionar contra esse crime, como tem definido o Papa Francisco essa situação que atinge grande número de pessoas e famílias.
A VI Jornada Mundial de Oração e Reflexão contra o Tráfico de Pessoas a Igreja do Brasil, seguindo o desejo do Papa Francisco, faz um chamado a nos questionarmos sobre essa situação muitas vezes invisibilizada, mas próxima da gente, presente muitas vezes na porta do lado. A jornada coincide com a festa da Santa Josefina Bakhita, nascida no Sudão, que quando criança foi vítima da violência, do abuso, da escravidão, do tráfico, sofrendo na pele o poder da ganância e da exploração. Mais tarde, já na Italia, se tornou religiosa, sendo canonizada pelo Papa João Paulo II no ano 2000.
Em nossa Igreja de Manaus está presente um núcleo da Rede um Grito pela Vida, nascida como uma ação da vida religiosa no ano de 2007. Seu trabalho está orientado à conscientização, prevenção e a mobilização da sociedade, nem sempre atenta a essa realidade. Como lembrava nesta semana a Irmã Valmi Bohn, religiosa da Divina Providência, Coordenadora Nacional da Rede, que atualmente realiza sua missão em Manaus, essa realidade “afeta a todas e todos, sem distinção de raça, de religião ou de etnia, sobretudo os mais pobres e vulneráveis de nossa sociedade”.
O tráfico de pessoas se visibiliza nas mulheres, as crianças e os jovens. Muitas vezes as armadilhas das redes de tráfico humano se aproveitam da situação de vulnerabilidade em que muitas pessoas vivem no Brasil e na Amazônia. Pessoas pobres, que encantadas com promessas de emprego e dinheiro fácil são capturadas por organizações criminosas das quais resulta muito difícil sair. Em Manaus, essa realidade do tráfico tem se incrementado com a chegada de migrantes, que muitas vezes sofrem situações de vulnerabilidade extrema.
O que fazer como sociedade e como Igreja diante do egoísmo, a ganância e o descarte da pessoa, que fazem com que o ser humano se torne simples objeto? Como unir nossas vozes e nos comprometermos no enfrentamento de situações que destroem a vida das pessoas, especialmente dos mais pobres?
A ação se torna urgente diante da realidade que a gente vive. Em 2020, completam-se três anos que o governo brasileiro esconde dados sobre trabalho infantil. Estamos falando de crianças que são vítimas daqueles que violam as leis brasileiras, passando por cima da própria Constituição Federal. Em muitos casos, são grandes empresas que se beneficiam do trabalho infantil na base de suas cadeias produtivas. Na medida em que o governo oculta os dados está contribuindo para o desrespeito daqueles que são o futuro da nação.
Os dados oficiais falam de 261 mortes e 43.777 acidentes de trabalho com crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos em decorrência do trabalho, entre os anos de 2007 e 2018. Tudo isso sem contar o número daqueles que não foram registrados.
Junto com isso, está sendo notícia que entre 2015 e 2019 o orçamento da Secretaria da Mulher, que faz parte do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, foi reduzido de R$ 119 milhões para R$ 5,3 milhões. Sem dúvida mais um empecilho na luta pelos direitos das mulheres, que coloca em risco possíveis vítimas do tráfico de pessoas. Diante disso, mais uma vez, cada um de nós, mas também como sociedade e como Igreja temos que nos perguntarmos, será que é uma questão que nos preocupa?