Editorial: Tenho medo de quem não tem medo

Editorial por Luis Miguel Modino*

O medo é um sentimento que faz parte da condição humana, que certamente vai se superando aos poucos, mas que as vezes volta de novo, mostrando que nem sempre a gente supera os medos que em algum momento já fizeram parte da nossa vida. Na medida em que aumenta a confiança na gente e nos outros os medos começam a ser controlados e deixados para trás.

Muitas vezes, os maiores medos são daquilo que a gente não vê. Nos últimos meses, o mundo está com medo, muito medo, de um vírus microscópico, invisível, mas que está provocando um estrago como ninguém tinha vista em décadas. Mas tanto medo quanto o vírus provoca quem não está nem aí, aqueles que ainda pensam que é uma gripezinha, que nada deve mudar e que tomar cuidado e distância é coisa de gente fraca, que quem tem corpo de atleta, não tem por que se preocupar com essas coisas, próprias de histéricos.

Tenho medo de gente sem empatia, de gente que não pensa nos outros, de gente egoísta, que só pensa em engordar o bolso, a conta bancária, de gente que não sofre com quem sofre, que não chora com quem chora, de gente que fica rindo de quem está com a corda no pescoço. Vivemos um tempo em que os sentimentos mais básicos de humanidade estão sumindo, e isso me dá medo, porque na lei do mais forte, aquela que está querendo ser instaurada no Brasil e no mundo, a gente sabe quem é que vai pagar a conta.

Tenho medo de monarcas absolutistas, de ditadores, que pensam que as leis só devem ser cumpridas pelos outros, esquecendo que quem manda deve ser o primeiro a dar exemplo. No final, salvo que você queira se impôr pela força, algo que nunca vai fazer parte de um sistema democrático, esse com o qual muitos gostariam de acabar no Brasil, ninguém vai ser respeitado se ele não está nem aí com aquilo que determina a boa convivência entre todos os cidadãos. Nunca esqueça que ditadura, seja da cor que for, nunca é boa para ninguém, inclusive para quem nela detenta o poder, pois não tem nada pior do que ser odiado pelos outros.

Tenho medo de quem não se importa com que os outros passem fome, também sede, uma realidade que em alguns anos vai fazer parte da vida do povo brasileiro, pois pobre não vai poder pagar uma conta de água que, com sua privatização, não vai ser mais direito universal e sim privilegio de quem tenha como pagar. Ninguém se engane, as empresas privadas procuram o lucro, na maioria dos casos com o menor investimento, para poder alcançar o maior benefício no menor tempo possível. Essa é a essência do capitalismo, de um capitalismo que mata, de um sistema que dá medo, cada vez mais medo.

Tenho medo de uma sociedade cada vez mais individualista, que mitifica os enganadores, aqueles que enrolam o povo, que querem dar uma de santo, falando de um Deus construído à sua medida, mas que na verdade, são a melhor expressão do diabo, que sempre se apresenta disfarçado de bom moço.

Tenho medo de quem não tem medo de nada, de quem vive numa bolha onde tudo é muito bonito, onde pensa que nada de  ruim acontece, não porque não existam coisas ruins na vida da gente, e sim porque se poupa de enxergá-las. Daquele que se desentende de tudo o que não vai lhe dar prazer, de tudo o que causa desconforto, daquilo que pode lhe levar a imaginar que existe a dor.

Tenho medo, porque no final das contas, o medo faz parte da vida…

Ouça: 

*Missionário espanhol e membro da equipe de comunicação da REPAM – Rede eclesial Pan Amazônica.