Editorial: Sermos consequentes… até depois da morte

Editorial Por Luis Miguel Modino*

A gente vive em uma sociedade onde cada dia nos deparamos com pessoas que mostram uma cara diferente. Segundo as circunstâncias escolhem o que mais pode favorecê-los naquele momento, não tem problema em falar o que o outro quer escutar, se isso vai reportar qualquer benefício. Inclusive não tem problema em vender qualquer um, porque nunca vão defender ninguém se isso pode coloca-los contra os poderosos.

 No dia 8 de agosto morria alguém que tem sido consequente até depois da morte. Chegado no Brasil em 1968, Dom Pedro Casaldáliga, ou simplesmente Pedro, como ele gostava de ser chamado, foi escolhido bispo da nova Prelazia de São Félix do Araguaia, no nordeste do Mato Grosso, em 1971. Uma terra no Vale do rio Araguaia, o Vale dos Esquecidos, como o próprio Dom Pedro dizia de uma região onde a vida dos mais pobres sempre estava por um fio.

Ele escolheu o lado do qual queria ficar, o lado dos que não contam, dos peões, que nos primeiros anos em São Félix ele enterrou por dezenas, dos indígenas, sempre perseguidos no Brasil, dos posseiros, ameaçados em uma região de fronteira agrícola, onde a lei nunca foi respeitada, dos pobres entre os pobres. Ele escolheu esse lado, o lado dos prediletos de Deus, e foi consequente até depois da morte. Nesta quarta feira, depois de ser despedido pelo povo, ele foi sepultado no cemitério dos Karajás, na beira do rio Araguaia, no meio daqueles que por não ser ninguém, lá eram sepultados. Seu caixão foi colocado no chão, sem enfeites, mas que uma cruz de madeira e a companhia dos esquecidos.

Seu exemplo deve nos levar a refletir, ainda mais em uma sociedade onde a cada dia nos deparamos com aqueles que dizem uma coisa e fazem outra, com aqueles que não se importam em abandonar os outros, com aqueles que quando assumem qualquer cargo esquecem dos outros, inclusive daqueles que o ajudaram chegar até lá. Sermos consequentes é o melhor exemplo para mostrar aos outros que eles são importantes, que eles não são moeda de troca.

A fidelidade é uma virtude, uma atitude que nos engrandece, que nos faz gente de verdade, e não alguém que as circunstâncias vão levando sem rumo. Ser alguém a quem nada compra, porque sempre tem claro que não vai se vender. Estar ao lado de quem nada tem, porque isso nos faz plenamente livres e felizes, porque isso faz com que a vida da gente tenha sentido. Dom Pedro foi assim, nunca se vendeu, nunca renunciou aos seus princípios, mesmo se sabendo perseguido e ameaçado de morte pelos poderosos.

Ele foi alguém que defendeu a Amazônia e aqueles que sempre a viram como lugar onde viver, não como espaço a ser depredado. O cuidado com aquilo que é de todos, com nosso espaço, nossa Casa Comum, deve é um chamado cada vez mais gritante, ainda mais quando a gente vê que o lucro tem sido colocado como aquilo que determina o agir de boa parte da humanidade, e, sobretudo de quem controla a grande maioria dos bens do planeta.

O exemplo de vida de Dom Pedro Casaldáliga deve se tornar uma referência para todos, especialmente para quem mora na Amazônia. “Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar, e, sobretudo, nada matar”, foi um dos seus princípios, uma das suas causas, com as quais ele sempre foi consequente. Seu exemplo de vida nos leva a olhar dentro de cada um de nós, a fundamentar a nossa vida naquilo que nos permita não abrir mão dos nossos princípios, daquilo que dá sentido à nossa existência.

Ouça: 

*Missionário espanhol e membro da equipe de comunicação da REPAM – Rede eclesial Pan Amazônica.