Ao longo dos últimos dias foi publicada a última exortação apostólica do Papa Francisco: “Querida Amazônia”. Também nos últimos dias acontecia a primeira reunião do novo Conselho da Amazônia, criado pelo governo federal, em 21 de janeiro.
Uma leitura do documento papal e da mensagem do Presidente Bolsonaro, podem levar algumas pessoas a encontrar similitudes entre as manifestações do líder mundial da Igreja católica e o líder do governo brasileiro. Mas as leituras sempre devem ter em conta os contextos, muitas vezes determinados por atitudes e palavras em momentos diferentes.
Editorial por Luis Miguel Modino
A Amazônia está no foco, do Brasil e do mundo. Na semana que a gente está encerrando, nossa região tem se tornado um dos assuntos que tem deparado maior atenção. Ao longo dos últimos dias nos foi publicada a última exortação apostólica do Papa Francisco: “Querida Amazônia”. Também nos últimos dias acontecia a primeira reunião do novo Conselho da Amazônia, criado pelo governo federal, em 21 de janeiro, “que terá por objetivo coordenar as diversas ações em cada ministério voltadas para a proteção, defesa e desenvolvimento sustentável da Amazônia”, segundo o Presidente da República comunicava em redes sociais, modo comum de interagir com seus seguidores.
Uma leitura do documento papal e da mensagem do Presidente Bolsonaro, podem levar algumas pessoas a encontrar similitudes entre as manifestações do líder mundial da Igreja católica e o líder do governo brasileiro. Mas as leituras sempre devem ter em conta os contextos, muitas vezes determinados por atitudes e palavras em momentos diferentes. Quando a gente diz querer alguma coisam pode manifestar amor ou desejo, doação ou dominação.
Como nos relacionamos com as pessoas e com as coisas? Quais são os interesses que determinam comportamentos cotidianos? Quando a gente fala da Amazônia não se refere a um espaço físico e sim a uma realidade onde interagem diferentes elementos, dentre eles as pessoas, especialmente aquelas que a gente conhece como povos originários. Para o Papa Francisco, a Amazônia e os povos que a habitam tradicionalmente têm sido foco de interesse desde o início do seu pontificado. Sempre foi para ele uma realidade querida, nunca desejada, ele assumiu o universo indígena.
E ele gostaria, e por isso sonha com isso, que a Amazônia seja lugar de vida em abundância, de vida para todos, não só para grupos de poder. Ela “apresenta-se aos olhos do mundo com todo o seu esplendor, o seu drama e o seu mistério”, nos diz o Santo Padre nas primeiras palavras de sua “Querida Amazônia”. Um esplendor que provoca dramas e encerra mistérios, mais conhecidos por aqueles que sempre tiveram com ela um relacionamento baseado no respeito, o cuidado e o carinho.
Na Amazônia, o Papa sonha com dias melhores para todos, nem só para alguns, ainda menos para quem a disputa com grande desejo, como dizia aos povos indígenas em Puerto Maldonado, no dia em que deu início, como ele mesmo disse, o Sínodo para a Amazônia. “Provavelmente os povos amazónicos originários nunca tenham estado tão ameaçados em seus territórios quanto estão hoje”, o Papa Francisco dizia naquele momento, falando deles como “memória viva da missão que Deus nos confiou a todos: cuidar da Casa Comum”.
Francisco, em “Querida Amazônia” tem quatro sonhos: social, cultural, ecológico e eclesial. Tudo consequência da sua crescente preocupação pelo cuidado da Casa Comum. É por isso que ele reza, e lhe pede a Deus, pela intercessão de Nossa Senhora: “Mãe, olhai para os pobres da Amazónia, porque o seu lar está a ser destruído por interesses mesquinhos. Quanta dor e quanta miséria, quanto abandono e quanto atropelo nesta terra bendita,transbordante de vida!”. Ele pede a conversão: “Tocai a sensibilidade dos poderosos porque, apesar de sentirmos que já é tarde, Vós nos chamais a salvar o que ainda vive”.
Mas também denuncia, como nos lembravam ontem nossos bispos do Regional Norte 1, numa nota de solidariedade e compromisso, se posicionando contra projetos de lei, de quem diz promover “a proteção, defesa e desenvolvimento sustentável da Amazônia”, projetos que ameaçam a vida dos povos indígenas: “Às operações econômicas, nacionais ou internacionais, que danificam a Amazônia e não respeitam o direito dos povos originários ao território e sua demarcação, à autodeterminação e ao consentimento prévio, há que rotulá-las com o nome devido: injustiça e crime” (QA, 14). E para a gente, a Amazônia é querida ou desejada?