Nos reencontramos para evocar uma data importante para o povo brasileiro e, em especial, para o Estado do Amazonas: o dia da Defensoria Pública, 19 de maio.
Os feitos da Defensoria Pública do Brasil nos últimos doze meses guardam especial importância, mas eles não serão o âmago desta colocação. Você acompanhou e sabe do trabalho, das dificuldades, das alegrias e das superações. Não vou ufanar os nobres colegas e trazer as pessoas que foram ajudadas. Não, este ano vamos tratar de uma necessidade da própria Defensoria como instituição, que não é orçamento, cujo pires todos os anos passa às vésperas da aprovação da Lei de Diretrizes orçamentárias. É uma necessidade comum aos demais órgãos públicos, sejam eles do sistema de justiça ou não; é uma dor das instituições públicas; é uma necessidade do povo brasileiro de forma geral.
Para tratar desse tema, pergunto: o que o povo brasileiro quer? O que as pessoas querem nas suas vidas, famílias e trabalhos? O que o Poder Público quer?
Não é uma resposta simples. Poderíamos utilizar diversos recortes epistemológicos, servir-nos das ciências sociais, buscar teorias existenciais, transcendentais e espirituais. Poderíamos buscar luzes na filosofia, e, no fim, cada pessoa, nessa vasta nação chamada Brasil, poderia ter uma resposta própria, baseada na sua realidade concreta. E estaria tudo certo, caro leitor. Quem somos nós para julgar alguém pelos seus interesses?
Mas existe algo que é comum a todos. No fim do dia, cada pessoa e cada instituição quer estar em paz. E digo paz no sentido mais amplo, como uma necessidade hierárquica dentro da Teoria de Maslow. E aí vem a segunda pergunta: como ter paz nos dias de hoje em que a sociedade paliativa nos entorpece com a busca incansável de felicidade, com a criação de uma imagem da realidade na qual imperam a ausência de dor e as vidas perfeitas, onde se estabeleceu a mixofobia e a intolerância por quem pensa diferente? Como ter paz quando as pessoas não conseguem mais respeitar outra opinião e não há mais espaço para a conversa, quando os conflitos se tornaram ultra complexos? Como ter paz quando as elites se adaptaram à nova realidade e continuam se perpetuando no poder, tal como no período colonial? Como ter paz quando as instituições públicas, com a missão de pacificação social, não conseguem evoluir para fazer frente a esse novo contexto?
É justamente nesse ponto que retorno ao início dessa conversa. Existe uma profunda relação entre a Defensoria Pública e esse novo contexto social, na medida em que a instituição, assim como os demais órgãos públicos, não alcançou o sucesso necessário na missão de efetivação social da resolução dos conflitos complexos. Existe uma cultura enraizada da judicialização, como se essa fosse a melhor saída para todos os tipos de disputas. Nossos bancos de faculdade ensinam isso: como litigar em um processo judicial. Contudo, essa escolha acabou por deixar em segundo plano todas as demais técnicas de gestão de conflitos, em especial a mediação, que possuem capacidade de resolução de disputas relevante ao povo brasileiro.
O ser humano é um ser vocacionado a resolver seus problemas por meio da composição, da conversa, da mediação. Essa vocação nasce e se desenvolve da necessidade de se ter paz para viver. Sentar e resolver as coisas remonta aos primórdios, muitos antes de se pensar em ter um poder independente e autônomo para dizer quem tem e quem não tem o direito. O Poder Judiciário é superimportante e deve seguir com sua missão de pacificar os conflitos; entretanto, a complexidade dos atuais conflitos não alcança mais total satisfação com o seu desempenho, na medida em que se observa a taxa de congestionamento dos processos. Isso ocorre também porque o mecanismo judicial não foi feito para todos os tipos de conflitos, por se tratar de uma entre as diversas técnicas disponíveis ao sistema brasileiro de gestão de disputas.
A crise do direito e do judiciário em não conseguir entregar a integralidade das resoluções de conflitos gerou uma dor no consciente do povo brasileiro, que, por conseguinte, gerou uma dor nas instituições públicas, as quais não sabem mais como ser efetivas na transformação social, em especial nas inconsistências das políticas públicas. Chegou a hora de fazer o resgate das demais técnicas de autocomposição para somar forças na solução das demandas complexas atuais.
A Defensoria Pública na sua data comemorativa precisa entender esse cenário como uma convocação para uma guinada da heterocomposição (onde um terceiro decide o conflito) para a autocomposição (onde as partes envolvidas resolvem seu conflito). Somente as demandas estritamente necessárias devem ser levadas ao processo judicial, todas as demais devem ser geridas dentro da própria instituição por meio da mediação, conciliação, negociação e construção de consenso.
Caro leitor, o tão falado princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CRFB) garante a todos o direito de se autoafirmar, ou seja, o direito de escolher como seu conflito será resolvido. A técnica judicial não permite essa possibilidade, pois o juiz ou o árbitro é quem dirá o direito no caso concreto, resolvendo o processo e não o interesse das partes. Dessa forma, resolve-se o processo, mas não se resolve o conflito, e assim as partes, possivelmente, voltarão a brigar. Já na autocomposição o conflito é resolvido pela conversa, e não existe vencedor no diálogo, pois todos saem vencedores.
A Defensoria deve, no meu ponto de vista e com respeito a todos os demais, fazer uma mudança de rota: do processo para o acordo. Precisa-se centrar forças, conhecimento e recursos para resgatar a mediação como primeira opção a cada assistido que bate às portas da instituição, trazendo suas demandas individuais ou coletivas, e seus interesses privados ou de políticas públicas. É um direito do cidadão ter sua demanda resolvida de forma eficaz, e cabe à Defensoria, ao avaliar a disputa, direcionar o mecanismo de gestão de conflitos mais adequado ao caso concreto, sempre primando pela autocomposição como ponto partida.
Isso não vai resolver todos os conflitos complexos atuais, mas vai, certamente, diminuir a dor de não se ter perspectiva de resolução, vai fomentar a saída da cultura do litígio para a cultura da paz, e, possivelmente, vai transformar a forma como as pessoas comuns podem voltar a ter paz. Aliás, não seria isso o que Defensoria Pública sempre buscou para ser agente de transformação social e mudar efetivamente as realidades inconstitucionais? Ou não seria isso o que ela busca para ter, também, a sua paz?
Deixo aqui a reflexão e a semente lançada.
Parabéns à Defensoria Pública do Brasil.
Abraço grande a todos.
Thiago Nobre Rosas – Defensor Público