Uma mesa redonda sobre a análise de conjuntura da Amazônia marcou a manhã do segundo dia do 3º. Encontro dos Bispos da Amazônia Legal que acontece de 20 a 23 de agosto, em Manaus, no Centro de Treinamento Maromba, e reúne cerca de 55 bispos da Amazônia Brasileira.
A mesa redonda foi coordenada por Daniel Seidel, da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), com a participação da jornalista e professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Ivânia Vieira; do procurador regional da república, Felício Pontes Jr; e do antropólogo Rodrigo Fadul.
O procurador regional da República baseou sua fala em modelos de desenvolvimento da Amazônia, citando a Doutrina do Integracionismo (Lei 6001/73) considerado por ele contraditória, pois afirma regular a situação jurídica dos índios ou silvícolas das comunidades indígenas com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los à comunhão nacional. Mas segundo ele, para preservar a cultura não se pode integrar a outra cultura. Apresentou também o modelo predatório que visa extrair madeira, minérios, explorar a pecuária, monocultura e energia, dentre outros, além de ser calcada em grilagem de terras, com falsificação de documentos, que já causou a expulsão de comunidades inteiras de suas terras e promoveu décadas de desmatamento.
Por fim, Felício Pontes apresentou o modelo socioambiental que consiste em um conjunto de 17 tipos atividade do ecossistema amazônico, com empreendimentos em bionegócios na Amazônia, responsáveis por pelo menos 1,2 mil produtos e serviços, em setores como de alimentos fármacos essenciais, turismo, artesanato e agricultura familiar que nos dá 75% do alimento que consumimos no país. Acrescentou ainda o mercado de fitoterápico que movimenta 50 bilhões de dólares anuais no mundo, sendo que no Brasil esse mercado é recente e o país vem movimentando, a partir dele, 500 milhões de dólares por ano. “Apenas 1% da biodiversidade amazônica foi estudada no ponto de vista químico ou farmacológico, apesar disso há poucos doutores em toda a Amazônia legal, apenas 4mil, comparando com o número de doutores que existem na Universidade Federal de São Paulo, que totalizam 5mil”, afirmou o procurador, destacando ser este um grande desafio.
Ivânia Vieira, diante dos bispos de toda a Amazônia Brasileira, apresentou sua visão a respeito de como poderia ser o Rosto Amazônico da Igreja, que segundo ela, ainda possui a cara de Roma, um estilo europeu. Confessou ter o desejo de conhecer os processos comunicacionais que geraram uma linguagem hegemônica que impede a circulação de informação e da comunicação que deveria dar voz e vez aos povos da Amazônia em sua pluraridade.
A jornalista lançou algumas provocações aos presentes, questionando sobre como a igreja da Amazônia age e como pode agir para uma conduta de cuidado das crianças amazônicas; para estar em sintonia com processo de resistência do povo negro amazônico e do povo indígena; e para assumir o rosto da mulher em suas práticas. Também questionou como agir para nos encontramos como sujeitos amazônicos universais em interação com todos os que precisam de ajuda para viver sua cultura e seus costumes, e para preservar as belezas naturais.
O Antropólogo, Rodrigo Fadul, trabalhou a temática “Amazônia: Povos, Cidades e Identidades”, destacando três eixos que juntos mostram ser a Amazônia um território de diversidades e complexidades. A respeito dos povos locais, destacou que são formados por um conjunto de diversos povos de diferentes aspectos indígenas (etnia, língua, territórios) advindos de comunidades, com suas identidades, abordando conceitos como a mestiçagem (não só de raça, mas também cultural) e hibridismo (misturas dentro de uma mesma civilização ou conjunto histórico). “Esses povos da Amazônia vivem lógicas de trabalho específica, diferente da lógica capitalistas, realizando trabalhos coletivos, se relacionando um com o outro e com sua terra de forma diferente”, destacou Rodrigo.
Também apresentou reflexões sobre a população indígena que é de 896,9 mil, composta por 305 etnias e 274 línguas, distribuídos nas áreas urbana, rural, nas suas próprias terras (terras indígenas). Refletiu ainda sobre as condições de vida, indígena e não indígena, conforme informações divulgadas pelo IBGE de que 84,4% da população está em meio urbano, vivendo muitas vezes em más condições, sem saneamento básico para a maioria, sendo mais de 35 milhões sem água tratada, o que demonstra grande fragilidade de nossa sociedade. Por fim, alertou que na Amazônia há de se considerar diferentes aspectos como a forma de viver das pessoas, as longas distâncias, dificuldade de comunicação, e por estarem em regiões onde há projetos de grandes impactos ambientais, além de vivenciarem desafios históricos.