O governo federal gastou R$ 1,879 trilhão do dinheiro da população para pagar juros e amortização da dívida pública, em 2022, enquanto 33 milhões de pessoas passam fome no País. A Campanha da Fraternidade 2023, que tem como tema ‘Fraternidade e Fome’ e lema ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’, convida a sociedade a refletir sobre o modelo financeiro brasileiro, que exclui muitos em detrimento de poucos, como afirma o Cardeal Leonardo Steiner, arcebispo metropolitano de Manaus.
“Não se trata apenas de cuidarmos da fome para que as pessoas tenham suficiente. Há necessidade da partilha, do cuidado, da necessidade do emprego. Há também a necessidade mudarmos esse sistema econômico que privilegia alguns e descarta outras pessoas. É um tema muito importante aliado uma realidade muito importante que estamos abordando neste ano e desejamos que todas as pessoas participem dessa reflexão desse debate e dessa oração”, disse o Cardeal Leonardo Steiner.
Hoje o cidadão, principalmente aquele que tem fome, não tem sequer o direito de saber a identidade de quem recebe o dinheiro da dívida pública. Isso porque a Lei 12.527 de 18 de novembro de 2011 (Lei da Transparência), regulamentada pelo Decreto 7.724 de 16 de maio de 2012, deixou de fora da transparência a dívida pública. As informações ficaram ocultadas por força da Lei Complementar nº 105 de 10 janeiro de 2001 (a Lei do Sigilo Bancário), criada no governo de Fernando Henrique Cardoso.
A ‘Lei da Transparência’ foi aprovada e regulamentada no governo de Dilma Rousseff (PT). E, em 2016, após começar a enfrentar o processo de impeachment, Dilma Rousseff vetou a realização de auditoria na dívida pública, no dia 14 de janeiro. A proposta de auditoria tinha sido colocada no Plano Plurianual 2016-2019 em emenda do deputado Edmilson Rodrigues (PSOL/PA).
Atualmente, o Tesouro Nacional divulga o balanço anual da Dívida Pública Federal. Porém, o informativo mostra apenas os setores que credores, sem nenhuma especificação nominal sobre quem fica com o dinheiro e muito menos o detalhamento da dívida. Conforme esse relatório, instituições financeiras recebem 29% dos juros e amortizações, enquanto os fundos de investimento abocanham 24%. Na prática, esses dois segmentos nada mais são do que os bancos. Em outras palavras, os bancos recebem 53% dos pagamentos dos juros da dívida e amortizações, o que correspondeu a quase R$ 1 trilhão apenas em 2022.
Segundo o site Auditoria Cidadã, o orçamento executado pelo governo federal em 2022 totalizou R$ 4,060 trilhões e 46,30% foi só para pagamento de juros e amortização da dívida.
Mestre em Ciências Sociais, o padre Adriano Luís Hahn analisa que, a despeito de mais da metade dos títulos da dívida pública estar nas mãos dos bancos, não é possível saber nominalmente quanto cada um deles recebe todos os anos.
“A gente não sabe exatamente quem são os credores. Isso é uma coisa curiosa. É sigiloso no Brasil. A gente não tem ideia de quais são setores econômicos que estão ganhando com a dívida. O que se sabe é que quase a metade dos títulos da dívida estão nas mãos dos bancos. Agora, quem são os que são donos desses títulos não, é sigiloso”, disse o padre Adriano Luís Hahn.
E é muito fácil para o cidadão identificar quem está a serviço do mercado financeiro e dos bancos. Basta acompanhar a atividade dos parlamentares no Congresso Nacional.
Há exatos dois anos, no dia 25 de fevereiro de 2021, o regulador mais poderoso do mercado financeiro, o Banco Central do Brasil (BC), ganhou autonomia administrativa. O autor da Lei Complementar 179/2021, que deu o status de ‘independente’ à instituição, foi o senador amazonense Plínio Valério (PSDB). A Câmara dos Deputados aprovou a autonomia do BC por 339 votos contra 114 (do Amazonas, apenas José Ricardo, do PT, votou contra). No Senado, os três representantes do Amazonas votaram a favor e a matéria foi aprovada com 56 votos favoráveis e 12 contrários. Depois, o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou a proposta, que virou lei.
Bruno Elander – Rádio Rio Mar
Foto: Érico Pena/ Arquidiocese de Manaus