Editorial Por Luis Miguel Modino
Todo primeiro de janeiro a Igreja celebra o Dia Mundial da Paz, que em 2021 tem como tema “A cultura do cuidado como percurso de paz”, seguindo aquilo que o Papa Francisco tem escrito em sua mensagem para essa jornada. Se algo temos aprendido, ou deveríamos ter aprendido em 2020, é a necessidade do cuidado, de “progredir no caminho da fraternidade, da justiça e da paz entre as pessoas, as comunidades, os povos e os Estados”, segundo afirma a mensagem pontifícia.
Mas será que a gente se preocupa com o cuidado do outro? A gente deve assumir que, infelizmente, essa não é uma atitude muito presente no mundo atual, também não na sociedade brasileira. Nos últimos dias virou manchete nacional e internacional a festa de Neymar, alguém que é visto por muitos como um ícone. Também está sendo notícia a postura do presidente da República em relação a algo que tem se tornado motivo de alegria para muitas pessoas em diferentes países do mundo, a esperada vacina contra a Covid-19.
A cada dia aumenta o número de países onde já estão sendo vacinados os que mais cuidados precisam diante da pandemia: os anciãos, e aqueles que cuidam de quem precisa ser cuidado: o pessoal da saúde. O Papa Francisco tem insistido várias vezes sobre a necessidade de que a vacina seja disponível para todo mundo, um sinal de preocupação e cuidado com aqueles que a sociedade deixa de lado e não quer cuidar.
A crise da Covid-19, que nos próximos dias vai superar os 200 mil falecidos no Brasil, tem se tornado um fenómeno mundial, “agravando fortemente outras crises inter-relacionadas como a climática, alimentar, económica e migratória, e provocando grandes sofrimentos e incómodos”, afirma o Papa Francisco. Essas crises são muitas vezes consequência da falta de cuidado por parte de uma sociedade cada vez mais individualista, e de uma classe política que só responde realmente aos interesses pessoais e dos grupos aos que representam.
A falta de cuidado com os mais fracos é uma realidade muito presente no Brasil, que se manifesta na fome, que tem crescido muito nos últimos meses, na falta de moradia, o feminicídio, a exploração sexual de crianças e adolescentes, o tráfico de pessoas, assim como muitas outras realidades que podem ser consideradas pandemias num país onde a cultura do cuidado não tem sido assumida, o que tem provocado uma violência estrutural, realidades enfrentada com a paz, um percurso que está presente na vida daquele que quer cuidar.
Em sua mensagem, o Papa Francisco enfatiza “a importância de cuidarmos uns dos outros e da criação a fim de se construir uma sociedade alicerçada em relações de fraternidade”, um caminho que deve ser percorrido com urgência no Brasil, um país onde se tornam realidade as palavras do Papa que pede “justiça para os pobres, que, pela sua vulnerabilidade e falta de poder, são ouvidos só por Deus, que cuida deles”. Somos desafiados por ele a “estimar o valor e a dignidade de cada pessoa, agir conjunta e solidariamente em prol do bem comum”, com o objetivo de “superar tantas desigualdades sociais”, uma necessidade mais que urgente em um Brasil cada vez mais desigual, onde se faz necessário “educar em ordem à cultura do cuidado”, pois “não há paz sem a cultura do cuidado”. Feliz 2021!
Ouça:
*Missionário espanhol e membro da equipe de comunicação da REPAM – Rede eclesial Pan Amazônica.