Editorial por Luis Miguel Modino*
Na história do Brasil o preconceito contra os povos indígenas tem sido uma constante desde que em 1.500 os primeiros europeus chegaram em Porto Seguro. Nesses mais de cinco séculos, a Igreja também teve seus acertos e seus erros, pelos quais repetidas vezes tem pedido perdão, inclusive aos povos originários. Ninguém pode negar que a Igreja tem sido uma das instituições que mais tem apoiado e defendido esses povos, também na atualidade.
Frente ao abuso de autoridade, uma atitude ainda presente em muitos lugares do Brasil, a Igreja não pode calar a boca e olhar para o outro lado, mesmo que isso faça com que na sociedade surjam vozes que digam que a Igreja apoia os bandidos. Na verdade, esse conceito de bandido é algo que grupos de poder impõem, colocando no subconsciente das pessoas uma ideia que só responde aos interesses daqueles que marcam a linha a seguir na sociedade.
O governo do Amazonas tem se envolvido em uma polêmica nas últimas semanas, que teve na última segunda-feira uma manifestação que contou com o apoio de mais de 50 entidades, dentre elas várias da Igreja católica, se posicionando contra a violência da Polícia Militar no Rio Abacaxis e na Terra Indígena Coata-Larajal, nos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba. Essa atitude, na linha com a defesa que a Igreja vem fazendo dos povos originários e comunidades tradicionais, tem provocado reações contrárias, inclusive de grupos que se dizem católicos.
O desrespeito pela lei é atitude própria dos bandidos, mas as vezes a gente vê que aqueles que devem fazer respeitar a lei, inclusive aqueles que legislam, também tem atitudes próprias de bandidos. De fato, a pergunta que devemos nos fazer é se a lei é para todos ou tem pessoas que estão acima da lei. É comum ver que pessoas que ocupam cargos públicos se aproveitam da sua condição para violar as leis e quando são denunciados por isso, em vez de reconhecer o erro, impõem pela força seu capricho. Isso se chama corrupção e, sem dúvida, quem é corrupto, pode ser chamado de bandido.
Quem invade sem permissão o que é dos outros, é bandido, ainda mais quando o fato de invadir, além de tirar o que é dele, pode colocar em risco sua vida. Neste tempo de quarentena, em que o risco de ser contagiado pela COVID-19 é alto, todo mundo tem o direito de se isolar e não ser invadido por quem vem de fora, seja morador de um condomínio de luxo, de uma aldeia indígena ou uma comunidade ribeirinha. Seja onde for, quem invade ou pretende invadir à força, ainda mais indo contra a lei, é bandido.
Sempre é bom conhecer os fatos, escutar a versão daqueles que passam por momentos de aperto, daqueles que sofrem com a violência, que vem como pessoas próximas são mortas ou desaparecem. O que a Igreja e as diferentes entidades pretenderam com a manifestação de segunda-feira é partilhar a situação com a sociedade de Manaus e com o estado do Amazonas. O importante é esclarecer os fatos e que a situação seja resolvida de forma justa, denunciando, se fosse o caso, que o estado não está dando segurança à população, algo que é obrigação, ainda mais àquelas populações tradicionalmente colocadas do lado de fora da história, como os indígenas e ribeirinhos.
Quando a Igreja denuncia o abuso de autoridade, não está apoiando bandido, está defendendo a vida, os direitos fundamentais das pessoas, que é um princípio básico para quem acredita em Deus. A Campanha da Fraternidade nos chamava a sentir compaixão, a cuidar daqueles que ninguém cuida. Ninguém é dono da vida de ninguém, ninguém pode se servir do aparato público para defender interesses privados, os direitos humanos devem ser algo garantido a todas as pessoas. São situações muito graves, que atingem gravemente a vida das pessoas, e a Igreja não pode olhar para o outro lado, como se nada estivesse acontecendo. Exigir responsabilidades não é estar do lado dos bandidos e sim do lado do direito, e isso é para todos, não pode ser privilégio de pequenos grupos.
Ouça:
*Missionário espanhol e membro da equipe de comunicação da REPAM – Rede eclesial Pan Amazônica.