Ter celebrado a festa do Corpo e Sangue de Cristo tem que nos levar a sentir a necessidade de ser Corpo de Cristo que se doa, que se entrega aos outros, à humanidade, de reconhecer esses corpos que são feridos. A pandemia do coronavírus tem escancarado uma realidade cruel, que provoca a existência de corpos feridos pela violência na Amazônia, pelo descaso do desgoverno, pela falta de política de assistência básica de saúde, de educação, que mata, que fere os corpos.
Editorial por Luis Miguel Modino*
Ontem, a gente vivia uma festa de Corpus Christi diferente, um dos momentos em que a Igreja católica da nossa arquidiocese de Manaus reúne o povo para juntos celebrar a festa eucarística, acontecia na distância dos nossos lares, onde a grande maioria dos católicos acompanhavam as celebrações, como vem acontecendo nos últimos meses. Trata-se de um modo de ser Igreja, de viver e celebrar a nossa fé, que deve nos levar a refletir para poder descobrir respostas que nos ajudem em nosso caminhar futuro como humanidade.
Mas o Corpo de Cristo não ficou preso nos templos, como nunca tem ficado. Ele vem ao nosso encontro cada dia, nos corpos feridos, vítimas de um sistema que provoca morte, onde Jesus, de modo especial e preferente, se faz presente. A pandemia do coronavírus tem escancarado uma realidade cruel, que provoca a existência de corpos feridos pela violência na Amazônia, pelo descaso do desgoverno, pela falta de política de assistência básica de saúde, de educação, que mata, que fere os corpos.
Ter celebrado a festa do Corpo e Sangue de Cristo tem que nos levar a sentir a necessidade de ser Corpo de Cristo que se doa, que se entrega aos outros, à humanidade, de reconhecer esses corpos que são feridos. Ele é alimento para nossa vida, que faz bom proveito e dá vigor na medida em que ele nos fortalece para nos comprometermos cada vez mais nesse propósito sempre presente em todo aquele que acredita em Deus, em todo aquele que cada dia implora para que venha a nós o vosso Reino.
Isso só se faz possível, só se faz carne, quando a gente enxerga o sofrimento de tantos corpos que continuamente passam nas nossas ruas, mas que a gente acostumou com eles e não despertam mais um sentimento de compaixão, se tornaram mais um objeto, mais um costume, mais uma situação corriqueira, mais alguém ignorado. Inclusive mais alguém com quem a gente muitas vezes é ignorante, sempre desde esse sentimento de superioridade, tão presente no ser humano e que tanto machuca aqueles que sempre foram ignorados.
O Deus de Jesus Cristo é um Deus que se faz carne, não é um Deus que está acima de tudo, é o Deus coloca o último da fila, é alguém que continua sendo crucificado, igual tem sido crucificados os mais de 41 mil mortos que no Brasil tem falecido em decorrência do COVID-19. Eles tinham rosto, que nunca vai ser apagado na mente de seus entes queridos, mesmo que muitos neguem reconhecer que eles representam bem mais do que um número. Eles têm se tornado motivo de briga de interesses políticos e econômicos, em gente que pouco ou nada importa a quem sempre se preocupou só com seu interesse próprio ou daqueles que batem palmas para eles.
Nunca podemos esquecer que Jesus sai na rua quando isso nos leva a ter presente em nossa vida, em nossa oração, os doentes do coronavírus, os profissionais da saúde que arriscam sua vida para se colocar ao serviço na defesa da vida, mesmo que tenha quem duvida de seu trabalho, inclusive da existência desses doentes, desafiando a sociedade a procurar provas, algo próprio de quem vive no mundo da lua e não quer se fazer consciente do sofrimento do povo, especialmente dos mais pobres.
Sair com Jesus na rua nos solidariza com as comunidades tradicionais e os povos indígenas, nos anima a lutar pela valorização das suas culturas, pela sua garantia e promoção. Saímos realmente com Jesus na rua quando o sentimos presente nos pobres e abandonados. E isso é um desafio para toda a Igreja, que desde a vida comunitária se compromete com os nossos irmãos e irmãs, e assim torna presente o Reino de Deus, promovendo um verdadeiro desenvolvimento humano integral para todas as pessoas e para a pessoa toda.
Ouça:
*Missionário espanhol e membro da equipe de comunicação da REPAM – Rede eclesial Pan Amazônica.